Usem a lã. O ambiente agradece e as ovelhas também

por Alice Bernardo

Desmistificar a tosquia: uma jornada de cuidado, ética e valorização das raças autóctones.

A Primavera já começou e cá no Saber Fazer é a altura em que começamos a pensar (ainda) mais num dos nossos materiais favoritos, a Lã, porque entramos na época das tosquias!

Em Portugal temos 16 raças autóctones de ovinos criados em regime extensivo, que é como dizer que pastoreiam livremente todo o ano, o que os torna agentes importantes na manutenção de todo um ecossistema, além de serem a base de um modo de vida único e de constituírem um patrimônio genético importante.

Uma das atividades que promovemos anualmente é uma demonstração pública da Tosquia com o nosso tosquiador favorito, o Martin O’Connel. É um dia que nos permite partilhar com o público um processo importante para os animais e para nós, sensibilizar para a importância das raças autóctones e do modo de criação extensivo, enquanto esclarecemos dúvidas e desconstruímos mitos modernos.

Um desses grandes mitos envolve precisamente a tosquia e, por isso, a primeira pergunta a que gostamos de responder é “Porquê tosquiar?”.

Quase todos os ovinos existentes são animais domesticados. Ao contrário do que acontece com os ovinos selvagens, cujo pêlo cai naturalmente na Primavera, nos animais domesticados a lã simplesmente não pára de crescer. Uma ovelha que não seja tosquiada na altura certa irá sobreaquecer, perder o apetite e a mobilidade devido ao excesso de lã e ao aumento de peso. A adicionar a isto, temos um ano de crescimento de lã que acumula sujidades, que podem causar queimaduras, provocar doenças e atrair insectos.

Por esta razão, tosquiar é uma prática anual obrigatória para assegurar o bem-estar animal. Quando há milhares de anos decidimos domesticar um ovino, assumimos uma responsabilidade que terá de ser cumprida enquanto ele existir à face da Terra. Mas a nossa responsabilidade não acaba aqui. Temos também a obrigação de garantir o seu bem-estar durante a tosquia e de honrar a matéria-prima que estamos prestes a receber. Afinal de contas, é um material naturalmente renovável, biodegradável e com características únicas que demorou um ano inteiro a crescer. Nada neste processo deve ser deixado ao acaso. Um bom profissional executa a tosquia de acordo com um método específico: a técnica Bowen. Criada nos anos 40, esta técnica é como uma dança bem coreografada, definindo uma sequência de movimentos que otimizam não só o processo da retirada da lã, mas também o conforto do tosquiador e do animal.

O gosto do tosquiador pela arte de tosquiar e o amor pelos ovinos é um fator importante que temos a oportunidade de partilhar sempre que organizamos uma tosquia com o Marty. Nas suas mãos, as ovelhas relaxam e, muitas vezes, adormecem enquanto ele lhes retira o velo graciosamente, tal qual um bailarino de sapatos de lã no seu pequeno palco.

Falar sobre a valorização da Lã das raças autóctones como uma fibra realmente sustentável e educar para sua produção de forma ecológica, ética e com padrões de qualidade é a nossa pequena contribuição para que cada vez mais pessoas optem por soluções ambientalmente e socialmente positivas.

Boa Primavera!



O Saber Fazer é uma iniciativa que desde 2011 se dedica à investigação e educação das técnicas de produção artesanal e semi-industrial em Portugal. Nasceu com o objectivo de assegurar a passagem de conhecimento técnico, mas também de educar e sensibilizar o público em geral para as questões que se relacionam com a sustentabilidade ambiental, social e económica.

Alice Bernardo

 Coordenadora do projeto Saber Fazer, onde se dedica à investigação, valorização e divulgação das técnicas de produção artesanal e semi-industrial em Portugal

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